quinta-feira, maio 06, 2004

A dança dos treinadores e os treinadores que não dançam

A época nem sequer acabou, mas o tradicional campeonato do defeso já está ao rubro, com aquisições, transferências, entradas e saídas para todos os gostos, alimentadas por jornais que teimam em citar «fontes próximas aos processos» para excitar o imaginário dos adeptos, sempre cheios de fé, precipitando-se de forma cega na antecipação do futuro próximo que, claro, à luz das respectivas cores clubísticas, só pode ser risonho.

A época, reforço, ainda nem sequer acabou, mas parece convicção unânime entre portistas e benfiquistas, que a temporada que se avizinha trará novos rostos nos respectivos comandos técnicos.

Mourinho, obviamente, sai. Obviamente digo eu, sublinhe-se, sem qualquer «fonte próxima ao processo» que me garanta como infalível este ‘bitaite’. Mas sai (digo eu), porque é esse o rumo natural de uma carreira condenada ao sucesso e que já não encontra margem de manobra para a devida expansão nesta Superligazinha à beira mar plantada. Sai pela porta grande. Enorme, aliás. Inglaterra, Espanha, Itália, Chelsea, Real Madrid, Juventus, tanto faz, pouco importa. O que realmente importa é que sai, para um clube de maior projecção, com outros objectivos e condições financeiras. Mas onde, porventura, não encontrará a conjugação de meios que lhe permita repetir as recentes façanhas portistas. Digo eu. Mas sai. E ainda bem. Para ele, claro, e para mim, na perspectiva do meu clube. No bolso leva, para já, dois campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Supertaça e uma Taça UEFA. Pode juntar-lhes, eventualmente, uma Liga dos Campeões e mais uma Taça de Portugal. Já chega! É por isso que sai.

Camacho também sai. Aqui o ‘obviamente’ cai. Mas também aposto que sai. Pela porta grande, só pode. No coração dos adeptos, pelo que vejo. Mas sai. Seja pelo Veiga ou pelo Real Madrid. Seja por outro dirigente/clube qualquer. Seja porque a instituição (hum, hum) é grande, enorme, mas não consegue continuar a manter Camacho. Porque a instituição é grande (hum, hum), maior do que as pessoas que a servem. Mas mesmo sendo grande (maior do que as pessoas que a servem), precisa de determinadas figuras nos lugares certos para continuar a ser grande. Camacho é «o homem do presidente». Mas o presidente não é a instituição (hum, hum). Veiga também não. Mas parece ter peso. Para além disso, o eventual apelo de vários clubes espanhóis (Real Madrid à cabeça, claro!) pode assumir um papel preponderante na decisão do treinador. Que, para além de não ‘simpatizar’ com Veiga, poderá não estar na disposição de reviver o folhetim da época passada, em que para garantir a sua continuidade, lhe foi oferecida uma mão cheia de intenções e outra mão cheia de... nada. Ainda assim, o homem fez o que pode. E não foi pouco. Montou uma estrutura base no plantel (coisa rara na última década), conseguiu juntar um lote de 13/14 jogadores competitivos e criar uma equipa que - a espaços - funciona. Arrancou dois 2.º lugares na Superliga, chegou aos quartos-de-final da Taça UEFA e ainda tem a possibilidade de ganhar a Taça de Portugal. Se calhar ganha. E se calhar, por isso mesmo, sai. Pela porta grande. Mas sai, sobretudo, porque para trás deixa um projecto que, a seu ver, não terá grande margem de progressão. Pelo menos com o rumo que ele gostaria de incutir a essa margem de progressão. É por isso que sai.

Resta o Sporting. Resta Fernando Santos. Que não sai. Obviamente, também. Aqui nem é necessário recorrer a palpites. Não sai porque não é política da SAD. Uma boa política, dizem uns. Teoricamente, digo eu. Porque já provou não ter sido boa política, por exemplo, no segundo ano da «era» Bölöni, em que a recusa do romeno em sair pelo seu próprio pé redundou no final de época mais cretino de que há memória (recente) para os lados de Alvalade. Os contratos são para se cumprir, diz-se. Ok. A insistência de Pinto da Costa em manter Fernando Santos no FCP nos últimos dois anos de contrato também deu no que deu...

Calculo que seja uma chatice para os gestores pensar no papel do adepto, que tem esta estranha tendência de acreditar que as épocas servem para somar troféus. Mas Fernando Santos não sai. Até posso aceitar que a sua continuidade seja a opção mais correcta. Fernando Santos não pode, de facto, arcar sozinho com as responsabilidades da gestão financeira da SAD. Não nos podemos esquecer que perdeu Quaresma e Ronaldo já na pré-época. É chato.

Mas também é chato ver chegar Ricardo, Polga, Rochemback, Silva, Liedson e Tinga e nem sequer conseguir o 2.º lugar. É que deduzo, pelo menos, que essas contratações tenham merecido o aval do treinador. Que também já disse querer continuar com Barbosa e João Pinto. João Pinto, aparentemente, não fica. A relação qualidade/preço já não o justifica. Falta agora saber se o «projecto» justifica a concretização dos outros desejos já expressos pelo técnico, nomeadamente o de contar com «dois ou três bons reforços» para a próxima época. Fica no ar a dúvida quanto à definição do conceito «bons reforços». O adepto só pode pensar que o mesmo significa «titularidade de caras».

Fernando Santos não ganhou nada. Superliga, Taça de Portugal, Taça UEFA, qualificação para a Liga dos Campeões... zero! Mas fica. Com os seus discursos monocórdicos. Com a eterna sensação de não saber motivar o plantel. Com a latente falta de arrojo nas opções tácticas. Com aquele enfadonho ar de não ser homem para partir um prato. Mas porra!, que às vezes sinto falta de alguém que parta a loiça toda. Dizem que é o homem certo para o «projecto». Não digo que não seja. Mas se calhar, então, o problema é do projecto.

Mas pode ser que Fernando Santos mude. Pode ser que sim, que ele mude, que as condições mudem, que os reforços cheguem, que a táctica funcione, que o Ricardo comece a defender, que o Silva comece a marcar, que o Niculae deixe de se lesionar, que o Polga continue a evoluir, que o Rochemback se deixe estar, que cheguem os tão desejados extremos, que a equipa deixe de ter paragens cerebrais, que o Dias da Cunha perceba que tem de se calar... e que os adeptos tenham finalmente motivos para se entusiasmarem.

Se calhar tudo isso vai acontecer. Se calhar é por isso que Fernando Santos não sai. Veremos.